sexta-feira, 15 de abril de 2011

Boa noite, Cecilia Meireles

 Rua dos rostos perdidos

Este vento não leva apenas os chapéus,
estas plumas, estas sedas:
este vento leva todos os rostos,
muito mais depressa.


Nossas vozes já estão longe,
e como se pode conversar,
como podem conversar estes passantes
decapitados pelo vento?


Não, não podemos segurar o nosso rosto:
as mãos encontram o ar,
a sucessão das datas,
a sombra das fugas, impalpável.


Quando voltares por aqui,
saberás que teus olhos
não se fundiram em lagrimas, não,
mas em tempo.


De muito longe avisto a nossa passagem
nesta rua, nesta tarde, neste outono,
nesta cidade, neste mundo, neste dia.
(Não leias o nome da rua, - não leias!)


Conta as tuas historias de amor
como quem estivesse gravando,
vagaroso, um fiel diamante.
E tudo fosse eterno e imóvel.



(Cecilia Meireles, New York 1959)

terça-feira, 12 de abril de 2011

Ismália



Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
 
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
 
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
 
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
 
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


(Alphonsus de Guimaraens)